Última crónica de António Lobo Antunes na Visão "Aguentar à bronca", disponível online.
1.º Parágrafo: "Ficaram por ali um bocado no passeio, a conversarem, aborrecidas por os homens repararem menos nelas do que desejavam.";
2.º Parágrafo: "nunca imaginei ser possível existirem cigarros friorentos, nunca os tinha visto, claro, mas aí estão eles, a tremerem. Ou são os dedos que tremem?".
Dúvidas: a conversarem ou a conversar? A tremerem ou a tremer? O uso do infinitivo flexionado (ou pessoal) e do infinitivo não flexionado
(ou impessoal) é uma questão controversa da língua portuguesa, sendo mais
adequado falar de tendências do que de regras, uma vez que estas nem sempre
podem ser aplicadas rigidamente (cf. Celso CUNHA e Lindley CINTRA, Nova
Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições Sá da Costa, 1998, p.
482). É também por essa razão que dúvidas como esta são muito frequentes e as
respostas raramente podem ser peremptórias.
Em ambas as frases que refere as construções com o infinitivo flexionado são
precedidas pela preposição a e estão delimitadas por pontuação. Uma das
interpretações possíveis é que se trata de uma oração reduzida de infinitivo,
com valor adjectivo explicativo, à semelhança de uma oração gerundiva (ex.:
Ficaram por ali um bocado no passeio, a conversarem, aborrecidas
[...] =
Ficaram por ali um bocado no passeio, conversando, aborrecidas [...];
nunca imaginei ser possível existirem cigarros friorentos [...] mas aí
estão eles, a tremerem. = nunca imaginei ser possível existirem
cigarros friorentos [...] mas aí estão eles, tremendo.). Nesse caso,
não há uma regra específica e verifica-se uma oscilação no uso do infinitivo
flexionado ou não flexionado.
No entanto, se estas construções não estivessem separadas por pontuação do resto
da frase, não tivessem valor adjectival e fizessem parte de uma locução verbal,
seria obrigatório o uso da forma não flexionada: Ficaram por ali um bocado no
passeio a conversar, aborrecidas [...] = Ficaram a conversar
por ali um bocado no passeio, aborrecidas [...]; nunca imaginei ser possível
existirem cigarros friorentos [...] nunca os tinha visto, claro, mas aí
estão eles a tremer. = nunca imaginei ser possível existirem
cigarros friorentos [...] nunca os tinha visto, claro, mas eles aí estão a
tremer. Neste caso, a forma flexionada do infinitivo pode ser
classificada como agramatical (ex.: *ficaram a conversarem, *estão a tremerem [o
asterisco indica agramaticalidade]), uma vez que as marcas de flexão em pessoa e
número já estão no verbo auxiliar ou semiauxiliar (no caso, estar e
ficar).
Ao utilizar a locução "bem como" num período longo, a vírgula virá antes ou depois da locução? Ela dá a idéia de uma pausa sonora no período?
De acordo com a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, e com a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, a vírgula usa-se, entre muitas outras situações, para separar orações coordenadas, como as que são introduzidas pela locução conjuntiva bem como (ex.: comprou uma saia e um casaco, bem como uns sapatos para o casamento), empregando-se antes da conjunção ou da locução conjuntiva no caso de estas apenas poderem ser usadas no início da oração, como acontece com a locução bem como.