Tenho sempre uma dúvida: utiliza-se crase antes de pronomes
demonstrativos como esse, essa, esta, este?
A crase é a
contracção de duas vogais iguais, sendo à (contracção da preposição a
com o artigo definido a) a crase mais frequente. Para que se justifique
esta crase é necessário que haja um contexto em que estejam presentes a
preposição a e o artigo a (ex.: A [artigo] menina
estava em casa; Entregou uma carta a [preposição] uma
menina; Entregou uma carta à [preposição + artigo] menina).
Ora, os pronomes demonstrativos não coocorrem com preposições (ex.: Esta
menina estava em casa; *A [artigo] esta menina estava em casa;
Entregou a carta a [preposição] esta menina; *Entregou a
carta à [preposição + artigo] esta menina; o asterisco indica agramaticalidade), pelo que não poderá haver crase antes de
artigos demonstrativos, mas apenas a ocorrência da preposição, quando o contexto
o justifique.
Além do que foi dito acima, é de referir que pode haver crase com um artigo
demonstrativo começado por a- (ex.: Não prestou atenção àquilo
[preposição a + pronome demonstrativo aquilo]), mas trata-se da
contracção da preposição a com a primeira vogal do pronome demonstrativo
(ex.: àquele, àqueloutro, àquilo).
Tenho duas questões a colocar-vos, ambas directamente relacionadas com um programa televisivo sobre língua portuguesa que me impressionou bastante pela superficialidade e facilidade na análise dos problemas da língua. Gostaria de saber então a vossa avisada opinião sobre os seguintes tópicos:
1) no plural da palavra "líder" tem de haver obrigatoriamente a manutenção da qualidade da vogal E?
2) poderá considerar-se que a expressão "prédio em fase de acabamento" é um brasileirismo?
1) No plural da
palavra líder, a qualidade da vogal postónica (isto é, da vogal que
ocorre depois da sílaba tónica) pode ser algo problemática para alguns falantes.
Isto acontece porque, no português europeu, as vogais a, e e o
geralmente não se reduzem foneticamente quando são vogais átonas seguidas de
-r em final de palavra (ex.: a letra e de líder,
lê-se [ɛ],
como a letra e de pé e não como a de se),
contrariamente aos contextos em que estão em posição final absoluta (ex.: a letra
e de chave, lê-se [i], como a
letra e de se e não como a de pé).
No entanto, quando estas vogais deixam de estar em posição final de palavra (é o
caso do plural líderes, ou de derivados como liderar
ou liderança), já é possível fazer a elevação e
centralização das vogais átonas, uma regularização muito comum no português,
alterando assim a qualidade da vogal átona de
[ɛ] para [i], como na alternância
comédia > comediante ou pedra >
pedrinha. Algumas palavras, porém, mantêm inalterada a
qualidade vocálica mesmo em contexto átono (ex.: mestre > mestrado),
apesar de se tratar de um fenómeno não regular. Por este motivo, as pronúncias
líd[i]res ou líd[ɛ]res
são possíveis e nenhuma delas pode ser considerada incorrecta; esta reflexão
pode aplicar-se à flexão de outras palavras graves terminadas em -er,
como cadáver, esfíncter, hambúrguer, pulôver
ou uréter.
2) Não há qualquer motivo linguístico nem estatístico para considerar brasileirismo a expressão em fase de acabamento. Pesquisas em corpora e em motores de busca demonstram que a expressão em fase de acabamento tem, no português europeu, uma frequência muito semelhante a em fase de acabamentos.