Gostaria
de saber qual destas frases está correcta e porquê: a) Se eu fosse rico,
ofereceria-lhe... b) Se eu fosse rico, oferecer-lhe-ia...
Quando utiliza um pronome clítico (ex.: o, lo, me, nos) com um verbo no futuro do indicativo (ex.
oferecer-lhe-ei) ou no
condicional, também chamado futuro do pretérito, (ex.: oferecer-lhe-ia), deverá fazer a mesóclise,
isto é, colocar o pronome clítico entre o radical do verbo (ex.: oferecer)
e a terminação que indica o tempo verbal e a pessoa gramatical (ex.: -ei ou
-ia). Assim
sendo, a frase correcta será Se eu fosse rico, oferecer-lhe-ia...
Esta colocação dos pronomes clíticos é aparentemente estranha em relação aos
outros tempos verbais, mas deriva de uma evolução histórica na língua portuguesa
a partir do latim vulgar. As formas do futuro do indicativo (ex.: oferecerei)
derivam de um tempo verbal composto do infinitivo do verbo principal (ex.: oferecer) seguido de uma forma do presente do verbo haver (ex.:
hei),
o que corresponderia hipoteticamente, no exemplo em análise, a oferecer hei.
Se houvesse necessidade de inserir um pronome, ele seria inserido a seguir ao
verbo principal (ex.: oferecer lhe hei). Com as formas do condicional (ex.
ofereceria), o caso é semelhante, com o verbo principal (ex.: oferecer)
seguido de uma forma do imperfeito do verbo haver (ex.: hia < havia), o
que corresponderia hipoteticamente, no exemplo em análise, a oferecer hia
e, com pronome, a oferecer lhe hia.
É de notar que a reflexão acima não se aplica se houver alguma palavra ou
partícula que provoque a próclise do clítico, isto é, a sua colocação antes do
verbo (ex.: Jamais lhe ofereceria flores. Sei que lhe ofereceria flores).
A descrição de "cigano" no Dicionário Priberam, entre outras coisas, diz que os ciganos são trapaceiros. Isto não devia ser revisto por ser preconceituoso?
Um dicionário deve ter palavras e sentidos que podem insultar ou ofender? Além de "cigano", palavras como "galego", "monhé", "judeu", "preto", "fufa" ou "paneleiro"?
O Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa (DPLP) não diz que os ciganos são trapaceiros; o que se apresenta é, entre outras acepções, um uso real, ainda que potencialmente ofensivo, da palavra cigano como sinónimo de trapaceiro, o que é substancialmente diferente.
A lexicografia actual assume que um dicionário deve seguir uma abordagem descritiva na selecção das palavras e na forma como as define, usando nomeadamente um conjunto de etiquetas ou sinais para assinalar níveis de língua (como linguagem informal ou calão) ou usos específicos (como expressões depreciativas ou insultuosas), não devendo o autor ou editor do dicionário impor a sua opinião sobre o uso da língua.
Por outras palavras, a função de um dicionário passa por uma descrição dos usos da
língua, devendo basear-se essencialmente em factos linguísticos e não
estabelecer juízos de valor relativamente a eles, antes
apresentá-los o mais objectivamente possível. Em relação às definições da
palavra cigano,
o DPLP veicula o significado que ela apresenta na língua,
mesmo que alguns dos seus significados possam revelar o preconceito ou a
discriminação presentes no uso da língua.
A acepção que se considera preconceituosa tem curso actualmente em Portugal (como se pode verificar através de pesquisa em corpora e em motores de busca na internet), sendo
usada em registos informais e com intenções pejorativas, estando registada,
para além de no DPLP, nas principais obras lexicográficas de língua portuguesa,
como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das
Ciências de Lisboa/Verbo, 2001) ou o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(edição brasileira da Editora Objetiva, 2001; edição portuguesa do Círculo de
Leitores, 2002). O DPLP não pode omitir ou branquear determinados significados,
independentemente das convicções de cada lexicógrafo ou utilizador do
dicionário.
Como acontece com qualquer palavra, o uso desta acepção de cigano decorre da
selecção feita por cada utilizador da língua, consoante o registo de língua e o
conhecimento das situações de comunicação e dos códigos de conduta social. O
preconceito não pode ser imputado ao dicionário, que se deve limitar a registar
o uso (daí as indicações de registo pejorativo [Pejor.]). Este não é, na língua portuguesa ou em qualquer outra língua, um
caso único, pois as línguas, enquanto sistemas de comunicação, veiculam também
os preconceitos da cultura em que se inserem.
Esta reflexão também se aplica a outros exemplos, como o uso dos chamados
palavrões, ou tabuísmos, cuja utilização em determinadas situações é considerada
altamente reprovável, ou ainda de palavras que têm acepções depreciativas no que
se refere a distinções sexuais, religiosas, étnicas, etc.
Ao alertar para termos e empregos preconceituosos, informais ou obscenos, muitas vezes desconhecidos dos falantes, seja porque pertencem a diferentes enquadramentos socioculturais, seja porque são falantes estrangeiros, os dicionários estão a alertar os consulentes para a possibilidade de usarem linguagem ofensiva ou de ferirem as susceptibilidades de outros falantes.