A frase Oh mãe, venha cá depressa! está incorrecta?
Como poderá constatar no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a interjeição oh é usada para exprimir alegria, espanto, dor, repugnância ou para reforçar outro tipo de sentimento, pelo que, na frase que refere, o uso dessa interjeição não é adequado. Nestes casos, deverá ser usado o determinante apelativo ó, que antecede geralmente substantivos, pronomes pessoais ou possessivos e
funciona com valor de vocativo, pois introduz interpelações ou chamamentos.
Assim, a frase correcta será: Ó mãe, venha cá depressa!
Tenho assistido a várias discussões sobre as palavras escoteiro/escuteiro e sobre escotismo/escutismo e gostaria de uma explicação linguística. São sinónimos ou são coisas diferentes?
Relativamente ao uso
geral da língua, as palavras
escoteiro/escuteiro
e
escotismo/escutismo
correspondem a dois pares de sinónimos, a que se podem juntar outros pares como
escotista/escutista
ou
escoteirismo/escuteirismo.
Qualquer delas está correcta ortograficamente e pode dizer-se que são pares de
variantes gráficas homófonas.
A discussão que se gera à volta delas decorre essencialmente do registo
lexicográfico destas palavras (ou da ausência dele) ou de visões ligeiramente
diferentes do chamado movimento escutista (ou escotista).
Para compreendermos melhor os argumentos utilizados, é necessário fazer alguma
pesquisa, não tanto linguística, mas acerca da história do próprio movimento
escutista em Portugal, que permita perceber o motivo da existência destas
variantes (no Brasil, o problema não se coloca, pois as variantes com -u-
são consideradas lusismos). Para isso, é esclarecedora a breve nota a que
podemos aceder no sítio da
Associação de Escoteiros de Portugal, que nos apresenta brevemente a
história do movimento, salientando que esta foi a primeira associação de
Portugal que utilizou a palavra escoteiro, já existente na língua e com o
significado de "pessoa que viaja sem bagagem", para traduzir o inglês scout.
Só mais tarde apareceu o Corpo Nacional de Escutas, movimento católico que
assumiu uma dimensão maior e que, para a tradução de scout,
utilizou a palavra
escuta (de que depois derivaram escuteiro e
escutista), já existente na língua como derivado regressivo do verbo
escutar.
Sem ter a pretensão de fazer um levantamento exaustivo na lexicografia
portuguesa, podemos verificar no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa
de José Pedro Machado que a palavra escoteiro está documentada na língua
desde o séc. XVI em Lendas da Índia por Gaspar Correia, publicadas pela
Ordem da Classe de Ciências Morais, Políticas e Belas Letras da Academia Real
das Ciências de Lisboa, sob a direcção de Rodrigo José de Lima Felner, 1858: "…tudo
puderam bem carregar, ficando os homens escoteiros e despejados para andar o
caminho". O registo da acepção que diz respeito aos membros de movimentos
semelhantes àquele que foi criado por Baden-Powell é bem mais recente.
Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (Coimbra:
Coimbra Editora, 1966), referência importante para a lexicografia portuguesa,
considera escoteiro, escotismo e escotista como variantes
brasileiras de escuteiro, escutismo e escutista, respectivamente.
Nesta opção, segue o que está no Vocabulário Ortográfico Resumido da Língua
Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (Lisboa: Imprensa Nacional de
Lisboa, 1947).
Também o dicionário de Cândido de Figueiredo regista escoteiro como
brasileirismo, na acepção que aqui nos interessa e as formas escuta e
escuteiro como as preferenciais em Portugal. De notar que estamos a falar da
edição coordenada por Rui Guedes (25.ª ed., 1996), pois em edições antigas,
nomeadamente na edição de 1913, por exemplo, apenas consta a entrada
escoteiro, com a acepção "aquele que viaja sem bagagem".
José Pedro Machado, nas várias edições do Grande Dicionário da Língua
Portuguesa (por exemplo, Lisboa: Amigos do Livro, 1981 e Lisboa: Círculo de
Leitores, 1991), outra grande referência na lexicografia portuguesa, regista
também escuteiro (assinalando neste verbete, que "No Brasil, usa-se a
forma escoteiro"), escutismo e escutista (nestes dois
últimos verbetes, confrontando com as formas em -o- para avisar o
consulente de que se trata de verbetes diferentes, não sinónimos). Curiosamente,
não regista escuteirismo, mas sim escoteirismo, definindo-o de
maneira bastante abrangente, de modo a incluir o movimento idealizado por
Baden-Powell e qualquer movimento organizado em moldes semelhantes. Por outro
lado, se no verbete escuteiro este dicionário assinala a forma
escoteiro como brasileira, no verbete escoteiro, com o sentido sobre
os qual nos debruçamos, não tem qualquer indicação de que se trata de
brasileirismo, estando o verbete escoteiro definido, com etimologia e sem
qualquer registo geográfico (o mesmo acontece com escotismo, que remete
para escoteirismo).
O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de
Lisboa (Lisboa: Verbo, 2001), por sua vez, parece ser o primeiro a registar
os vários pares de variantes gráficas, sem distinguir registos de língua
pertinentes. Neste sentido apresenta a definição nas formas com -u-, por
serem mais usuais, e uma remissão nas formas com -o-.
Por motivos diversos, quer etimológicos, quer históricos, estes pares de
palavras surgiram na língua, à semelhança de muitos outros casos de variação, e
podem ser considerados sinónimos, sem que haja motivo para considerar uma ou
outra forma mais correcta do que outra. Adicionalmente, e sobretudo entre os
membros ou simpatizantes do movimento escotista/escutista em Portugal, a
distinção escoteiro ou escuteiro permite também distinguir,
respectivamente, entre os membros da Associação de Escoteiros de Portugal (de
cariz interconfessional) e os membros, bem mais numerosos, do Corpo Nacional de
Escutas (de cariz católico e estruturado numa relação directa com as dioceses).