Em https://www.flip.pt/Duvidas.../Duvida-Linguistica/DID/777 vocês concluem dizendo "pois trata-se de uma oração subordinada condicional, introduzida pela conjunção se". Nesse caso, pelas mesmas regras ali expostas, não teria de ser "pois se trata"? O "pois" não atrai nunca próclise?
No português europeu, a conjunção pois não é geralmente um elemento
desencadeador de próclise (posição pré-verbal do pronome pessoal átono, ou
clítico), a qual, como se referiu na resposta à dúvida
posição dos clíticos, está associada a fenómenos gramaticais de negação,
quantificação, focalização ou ênfase (vd. Eduardo RAPOSO et al. (orgs.),
Gramática do Português, 1.ª ed., vol. II, Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2013, pp. 2241-2242).
Pesquisas em corpora revelam que, na norma europeia, existem casos da
conjunção pois com próclise (ex.: As despesas não aumentaram tanto
como as receitas, pois se arredondaram em 26 811 contos) mas comprovam
também que, estatisticamente, essa conjunção é mais usada com ênclise (posição
pós-verbal do pronome pessoal átono), como na frase Em conclusão, as frases
que nos enviou enquadram-se no contexto referido na alínea f), pois trata-se de
uma oração subordinada condicional, introduzida pela conjunção se. Essa
tendência é também corroborada pela seguinte afirmação de Ana Maria Martins, que
se debruça sobre o tema na obra acima citada: «As orações explicativas
introduzidas por pois (cf. Caps. 34, 35 e 38) apresentam sempre colocação
enclítica dos pronomes átonos (desde que a próclise não seja independentemente
motivada) [...].» (vd. Eduardo RAPOSO et al. (orgs.), Gramática do
Português, 1.ª ed., vol. II, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p.
2299).
Na norma brasileira, dado que a tendência natural é para a colocação do pronome
antes do verbo, tal como se afirma na resposta à dúvida
amanhã: ênclise ou próclise?, o habitual é a conjunção pois ser
mais usada com próclise (ex.: O resultado foi satisfatório, pois se conseguiu
atingir o objetivo).
Pretendo saber como se lê a palavra ridículo. Há
quem diga que se lê da forma que se escreve e há quem diga que se lê redículo.
Assim como as palavras ministro e vizinho, onde também tenho a mesma dúvida.
A dissimilação, fenómeno fonético que torna diferentes dois ou mais segmentos fonéticos iguais
ou semelhantes, é muito frequente em português europeu.
O caso da pronúncia do
primeiro i não como o habitual [i] mas como [i] (idêntico à
pronúncia de se ou de) na palavra ridículo
é apenas um exemplo de dissimilação entre dois sons [i].
O mesmo fenómeno pode
acontecer nos casos de civil, esquisito, feminino,
Filipe, imbecilidade, medicina, militar,
milímetro, ministro, príncipe, sacrifício,
santificado, Virgílio, visita, vizinho
(o segmento destacado é o que pode sofrer dissimilação), onde se pode verificar
que a modificação nunca ocorre na vogal da sílaba tónica ou com acento
secundário, mas nas vogais de sílabas átonas que sofrem enfraquecimento.
A este respeito, convém referir que alguns dicionários de língua portuguesa,
como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das
Ciências de Lisboa (Verbo, 2001) ou o Grande Dicionário Língua Portuguesa
(Porto Editora, 2004), apresentam transcrição fonética das palavras. Podemos
verificar que nestas obras de referência, a transcrição não é uniforme. No
dicionário da Academia das Ciências, estas palavras são transcritas de forma
quase sistemática sem dissimilação, mas a palavra príncipe é transcrita
como prínc[i]pe. No dicionário da Porto editora, algumas
destas palavras são transcritas com e sem dissimilação, por esta ordem, como em
feminino, medicina, militar, ministro ou vizinho, mas a palavra
esquisito é transcrita com a forma sem dissimilação em primeiro lugar,
enquanto as palavras civil, príncipe, sacrifício e visita
são transcritas apenas sem dissimilação.
Em
conclusão, nestes contextos, é possível encontrar no português europeu as duas
pronúncias, com e sem dissimilação, sendo que em alguns casos parece mais rara e
noutros não. A pronúncia destas e de outras palavras não obedece a critérios de
correcção, pois não se trata de uma pronúncia correcta ou incorrecta, mas de
variações de pronúncia relacionadas com o dialecto ou o sociolecto do falante.
Assim, nos exemplos acima apresentados é igualmente correcta a pronúncia dos
segmentos assinalados como [i] ou [i].