Morfologicamente, como classificamos a expressão "cerca de"?
A expressão cerca de é composta pelo (pouco usado) advérbio cerca
seguido da preposição de, sequência (advérbio + preposição) que, segundo
a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley
Cintra (Lisboa: Ed. João Sá da Costa, 1998, 14.ª ed., p. 541) faz dela uma
locução prepositiva, isto é, uma locução que tem a função de uma preposição.
Esta locução é assim classificada no Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, um dos raros dicionários
que classificam as locuções; no entanto, em alguns contextos, esta locução tem
um comportamento que a aproxima mais de um advérbio do que de uma preposição
(ex.: esperei cerca de 30 minutos = esperei aproximadamente
30 minutos), pelo que nestes casos, deveria ser considerada uma locução
adverbial.
Como devo escrever: veio-me visitar ou veio visitar-me? E qual
a construção mais correcta: porque ando a lê-lo ou porque o ando a ler
(um livro)?
A dúvida que nos coloca diz respeito à posição dos clíticos. Sobre este
assunto em geral, deve consultar outras dúvidas já respondidas:
posição dos clíticos e
mesóclise. No entanto, a frase que nos envia coloca uma questão não tratada nesses textos: a colocação dos clíticos em tempos compostos, construídos geralmente com os auxiliares ter ou haver e o particípio passado, na voz activa (ex.: Tinha oferecido um livro à mãe), e com o
auxiliar ser e o particípio passado, na voz passiva (ex.: O
livro foi oferecido à mãe) ou em locuções verbais construídas
com um verbo auxiliar ou semiauxilar conjugado e um verbo principal no
infinitivo ou no gerúndio (ex.: Foi visitar o doente; Anda lendo muitos livros).
Nos casos em que há um tempo composto, se não houver um contexto que atraia o
clítico (ex.: Não o tinha oferecido à mãe; por
favor, consultar as alíneas a) a j) da resposta
posição dos
clíticos), este deverá ser colocado depois do verbo auxiliar (ex.: Tinha-o oferecido à mãe;
Tinha-lhe oferecido
o livro; Tinha-lho oferecido; O livro foi-lhe
oferecido).
Nos casos em que há uma locução verbal construída por um verbo auxiliar ou
semiauxilar e um verbo principal, o caso parece um pouco mais complexo,
essencialmente por causa do estatuto de verbo auxiliar.
Se não houver um contexto que atraia o clítico (por favor, consultar as alíneas
a) a j) da resposta
posição dos
clíticos), este será normalmente colocado depois do verbo
principal (ex.: O livro é interessante e ando a lê‑lo/ando
lendo-o há dois dias; Ele veio visitar-me esta semana). No entanto, nos casos referidos nas alíneas
a) a j) da resposta
posição dos
clíticos, o clítico poderá estar antes do verbo auxiliar ou
semiauxiliar (ex.: Nenhum aluno o anda a
ler; Sei que ele me veio visitar esta semana)
ou depois do verbo principal (ex.: Nenhum aluno anda a
lê-lo; Sei que ele não veio visitar-me
esta semana). Isto acontece provavelmente porque estas construções contêm um
verbo considerado auxiliar ou semiauxiliar, mas que mantém ainda algumas
características de verbo pleno, logo, o clítico tanto pode deslocar-se para
antes da locução verbal (à semelhança do que acontece nos tempos compostos
construídos com um verbo puramente auxiliar, como se se tratasse de um só verbo)
como pode manter-se ligado ao verbo principal, de que depende semanticamente.
Em alguns casos, algumas destas construções assumem o comportamento dos verbos
auxiliares dos tempos compostos (ex.: Veio-me visitar logo que
pôde; O livro é enfadonho, mas ele anda-o a ler), não
sendo, contudo, estruturas consensuais.