O verbo abrir já teve há alguns séculos dois particípios, aberto e abrido? Se já teve porque não tem mais? E desde quando não
tem mais? Qual é a regra para que abrir não seja abundante e com dois
particípios?
Regra geral, os verbos têm apenas uma forma para o particípio passado. Alguns verbos, porém, possuem duas ou mais formas de particípio passado equivalentes: uma regular, terminada em -ado (para a 1ª conjugação) ou -ido (para a 2ª e 3ª conjugações), e outra irregular,
geralmente mais curta.
Como se refere na resposta secado,
a forma regular é habitualmente usada com os auxiliares ter e haver para formar tempos
compostos (ex.: a roupa já tinha secado; havia secado a loiça com um pano) e
as formas do particípio irregular são usadas maioritariamente com os auxiliares
ser e estar para formar a voz passiva (ex.: a loiça foi seca com
um pano; a roupa estava seca pelo vento).
As gramáticas e os prontuários (ver, por exemplo, a Nova Gramática do
Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, das Edições João
Sá da Costa, 1998, pp. 441-442) listam os principais verbos em que este fenómeno
ocorre, como aceitar (aceitado, aceito, aceite),
acender (acendido, aceso) ou emergir (emergido,
emerso), entre outros.
Dessas listas (relativamente pequenas) não consta o
verbo abrir, nem há registos de que tenha constado. No entanto, por
analogia, têm surgido, com alguma frequência, sobretudo no português do Brasil,
formas participiais irregulares como *cego (de cegar), *chego (de chegar),
*pego (de pegar), *prego (de pregar) ou *trago (de trazer).
Por outro
lado, há também aparecimento de formas regulares como *abrido (de abrir) ou *escrevido (de escrever),
por regularização dos particípios irregulares aberto ou
escrito.
Na norma da língua portuguesa as formas assinaladas com asterisco (*) são
desaconselhadas e devem ser evitadas.
A minha dúvida é relativa ao novo Acordo Ortográfico: gostava que me esclarecessem porque é que "lusodescendente" escreve-se sem hífen e "luso-brasileiro", "luso-americano" escreve-se com hífen. É que é um pouco difícil de se compreender, e já me informei com algumas pessoas que não me souberam dizer o porquê de ser assim. Espero uma resposta de vossa parte com a maior brevidade possível.
Não há no texto legal do Acordo Ortográfico de 1990 uma diferença clara entre as palavras que devem
seguir o disposto na Base XV e o disposto na
Base XVI. Em casos como
euroafricano/euro-africano, indoeuropeu/indo-europeu ou
lusobrasileiro/luso-brasileiro (e em outros
análogos), poderá argumentar-se que se trata de "palavras compostas por
justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza
nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e
semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento
estar reduzido" (Base XV) para justificar o uso do hífen. Por outro lado, poderá
argumentar-se que não se justifica o uso do hífen uma vez que se trata de
"formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-,
contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-,
super-, supra-, ultra-, etc.) e de formações por recomposição, isto é, com
elementos não autónomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como:
aero-, agro-, arqui-, auto-, bio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-,
maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-,
tele-, etc.)" (Base XVI).
Nestes casos,
e porque afro-asiático, afro-luso-brasileiro e luso-brasileiro
surgem no texto legal como exemplos da Base XV, a Priberam aplicou a Base XV, considerando que "constituem uma unidade sintagmática e
semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento
estar reduzido". Trata-se de uma estrutura morfológica de coordenação, que estabelece
uma relação de equivalência entre dois elementos (ex.: luso-brasileiro = lusitano e brasileiro; sino-japonês = chinês e japonês).
São, no entanto, excepção os
casos em que o primeiro elemento não é uma unidade sintagmática e semântica e se
liga a outro elemento análogo, não podendo tratar-se de justaposição (ex.:
lusófono), ou quando o primeiro elemento parece modificar o valor semântico
do segundo elemento, numa estrutura morfológica de subordinação ou de
modificação, que equivale a uma hierarquização dos elementos (ex.:
eurodeputado = deputado [que pertence ao parlamento europeu];
lusodescendente = descendente [que provém de
lusitanos]).
É necessário referir ainda que o uso ou não do hífen nestes casos não é uma
questão nova na língua portuguesa e já se colocava antes da aplicação do Acordo
Ortográfico de 1990. Em diversos dicionários e
vocabulários anteriores à aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 já havia
práticas ortográficas que distinguiam, tanto em Portugal como no Brasil, o uso
do hífen entre euro-africano (sistematicamente com hífen) e
eurodeputado (sistematicamente sem hífen).