Nota-se hoje alguma tendência para se inutilizar as regras do discurso
indirecto. Nos textos jornalísticos sobretudo, hoje quase que ninguém mais
respeita os comandos gramáticos regedores do discurso indirecto. Muitos
inclusive argumentam tratar-se de normas "ultrapassadas". Daí vermos
frequentemente frases do tipo O ministro X prometeu que o seu governo vai/irá
cumprir os prazos/irá cumprir, ao invés de ia/iria cumprir, como
manda a Gramática conhecida até hoje. De que lado estará então a correcção? Ou
seja, as normas do discurso indirecto enunciadas nas diferentes gramáticas ainda
valem ou deixaram de valer?
As chamadas regras para transformar o discurso directo em discurso indirecto mantêm-se, e têm na Nova Gramática do Português Contemporâneo (14.ª ed., Lisboa:
Edições Sá da Costa, 1998, pp. 629-637) uma sistematização bastante completa.
No entanto, o
discurso indirecto livre parece estar a ser cada vez mais usado na imprensa, consciente ou inconscientemente.
Esta forma de discurso é muito usada na oralidade e em textos literários que pretendem diminuir a distância entre o narrador e o discurso relatado e tem como característica exactamente a fusão do
discurso directo com o discurso indirecto.
Disso é exemplo a frase apontada (O ministro X prometeu que o seu governo vai/irá cumprir os prazos), em que o início tem claramente características de discurso indirecto, como o enunciado na
3.ª pessoa (O ministro X prometeu) ou a oração subordinada integrante dependente de um verbo que indica declaração ou afirmação (prometeu que), e a segunda parte tem claramente características de discurso directo, como o
tempo verbal no presente ou no futuro (o seu governo vai/irá cumprir) em vez de no pretérito imperfeito ou no condicional, como seria normal no discurso indirecto (o seu governo ia/iria cumprir).
Para melhor exemplificar a noção de discurso indirecto livre, por contraste
com o discurso directo e com o discurso indirecto, colocamos as três frases a
seguir.
Discurso directo: O meu governo vai cumprir os prazos.
Discurso indirecto: O ministro X prometeu que o seu governo ia cumprir os
prazos.
Discurso indirecto livre: O ministro X prometeu que o seu governo vai cumprir
os prazos.
Gostaria de saber se escrever ou dizer o termo deve de ser é correcto?
Eu penso que não é correcto, uma vez que neste caso deverá dizer-se ou escrever
deverá ser... Vejo muitas pessoas a usarem este tipo de linguagem no seu
dia-a-dia e penso que isto seja uma espécie de calão, mas já com grande
influência no vocabulário dos portugueses em geral.
Na questão que nos coloca, o verbo dever comporta-se como um verbo
modal, pois serve para exprimir necessidade ou obrigação, e como verbo
semiauxiliar, pois corresponde apenas a alguns dos critérios de auxiliaridade
geralmente atribuídos a verbos auxiliares puros como o ser ou o estar
(sobre estes critérios, poderá consultar a Gramática da Língua Portuguesa,
de Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Inês Duarte e Isabel Hub Faria,
pp. 303-305). Neste contexto, o verbo dever pode ser utilizado com ou sem
preposição antes do verbo principal (ex.: ele deve ser rico = ele deve
de ser rico). Há ainda autores (como Francisco Fernandes, no Dicionário
de Verbos e Regimes, p. 240, ou Evanildo Bechara, na sua Moderna
Gramática Portuguesa, p. 232) que consideram existir uma ligeira diferença
semântica entre as construções com e sem a preposição, exprimindo as primeiras
uma maior precisão (ex.: deve haver muita gente na praia) e as segundas
apenas uma probabilidade (ex.: deve de haver muita gente na praia). O uso
actual não leva em conta esta distinção, dando preferência à estrutura que
prescinde da preposição (dever + infinitivo).