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Acordo Ortográfico de 1990
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Dúvidas linguísticas
Bahia, Cingapura e Irã / Baía, Singapura e Irão
Sou portuguesa e trabalho com colegas brasileiros e sei que eles escrevem
Bahia
,
Cingapura
e
Irã
quando eu escrevo
Baía
,
Singapura
e
Irão
. Não tenho ouvido falar destes casos quando se fala do novo Acordo Ortográfico. Como é que fica agora?
Alguns topónimos têm tradicionalmente grafias ou pronúncias diferentes na norma europeia e na norma brasileira. É o caso, por exemplo, de
Amesterdão, Bagdad
ou
Bagdade, Gronelândia, Havai, Jugoslávia, Madagáscar, Madrid, Médio Oriente, Moscovo, Vietname
na norma europeia, que correspondem usualmente a
Amsterdã, Bagdá, Groenlândia, Havaí, Iugoslávia, Madagascar, Madri, Oriente Médio, Moscou, Vietnã
na norma brasileira. É aqui que se inserem também os topónimos
Baía
e
Irão
, mais usuais no português de Portugal, e
Bahia
e
Irã
, mais usuais no português de Brasil.
Em geral, o novo
Acordo Ortográfico de 1990
não se pronuncia em relação a topónimos (nomes de lugares) ou outros nomes próprios, pois trata-se de uma questão lexical e não ortográfica, a não ser que se trate de um padrão ortográfico específico previsto numa das bases do Acordo (ex.:
Castanheira de Pêra, Côa, Tróia
). Por este motivo, estas diferenças não são resolvidas e deverão manter-se com a aplicação do Acordo.
O caso de
Singapura/Cingapura
parece ser diferente, apesar de ter sido também, até ao Acordo Ortográfico de 1990, um caso em que a tradição lexicográfica (isto é, o registo em dicionários e vocabulários) portuguesa e brasileira divergia.
Esta divergência vinha pelo menos do
Acordo Ortográfico de 1945
(que o Brasil não aplicou), onde se pode ler, na Base V, "[...] 3.° Distinção entre as sibilantes surdas
s, ss, c, ç
e
x
:
ânsia, ascensão, aspersão, cansar, conversão, esconso, farsa, ganso, imenso, mansão, mansarda, manso, pretensão, remanso, seara, seda, Seia, sertã, Sernancelhe, serralheiro,
Singapura
, Sintra, sisa, tarso, terso, valsa
[...]" [sublinhado nosso]. Anos antes, em 1940, era
Cingapura
a forma registada no
Vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa
, considerada "grafia preferível a Singapura". A explicação para a alteração preconizada pelo Acordo de 1945 é dada por Rebelo Gonçalves, no seu
Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa
(Coimbra: Atlântida - Livraria Editora, L.da, 1947, p. 41, nota 4): "Se bem que o Vocabulário da A. C. L. tenha registado a escrita com
c, Cingapura
, fundando-se na preferência que lhe dão filólogos do nosso tempo (entre outros, Cândido de Figueiredo,
Novo Dicionário
, "Apenso Geográfico"), não nos repugna, antes pelo contrário, que na Base V do Acordo Ortográfico se haja preferido
Singapura
. A verdade é que se a escrita com
c
tem abonação de Barros, Camões, Castanheda (
Cincapura
), Mendes Pinto (idem), a escrita com
s
ocorre também em escritores antigos, como Galvão (
Sincapura
), Couto (idem), Godinho de Herédia (idem), Bocarro (
Sincapur
); é a que se torna corrente do século XVIII em diante [...]; e tem a vantagem, decerto apreciável, de não destoar das formas correspondentes de outras línguas modernas."
O Acordo Ortográfico de 1990, aceite pelos dois países, viria, aparentemente, pôr fim a esta divergência, uma vez que esta parte do texto legal é quase igual à de 1945: "[...] 3.º Distinção gráfica entre as letras
s, ss, c, ç
e
x
, que representam sibilantes surdas:
ânsia, ascensão, aspersão, cansar, conversão, esconso, farsa, ganso, imenso, mansão, mansarda, manso, pretensão, remanso, seara, seda, Seia, Sertã, Sernancelhe, serralheiro,
Singapura
, Sintra, sisa, tarso, terso, valsa
[...]" [sublinhado nosso]. É então referida explicitamente a forma
Singapura
, mas o
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(VOLP) da Academia Brasileira de Letras (São Paulo: Global, 2009, 5.ª ed.; versão em linha em
http://www.academia.org.br/nossa-lingua/vocabulario-ortografico
[consultado em 2016-05-05]) regista os gentílicos
cingapurense
e
cingapuriano
, a par de
singapurense
(note-se que este vocabulário não regista nomes próprios). Este facto parece ter condicionado a manutenção das variantes com c em alguns dicionários com a aplicação do Acordo Ortográfico, nomeadamente o
Dicionário Priberam
, uma vez que o VOLP é considerado a obra de referência para o português do Brasil, fazendo com que as duas variantes (
singapurense
e
cingapurense
) sejam aceitáveis no português do Brasil, mesmo depois da aplicação do Acordo Ortográfico.
Deve referir-se que esta não é a única opção que decorre da publicação do VOLP e não da aplicação do Acordo Ortográfico; veja-se, sobre este assunto, o que é dito nos
Critérios da Priberam relativamente ao Acordo Ortográfico de 1990 (português do Brasil)
.
sentido depreciativo de galego
Escrevo-lhes da Galiza, depois de ter procurado o significado da palavra "galego" no dicionário Priberam. Encontrei uma definição que considero desrespeitosa, e ainda mais na actualidade. Tenham em conta que como cidadãos da Galiza (espanhola ou portuguesa) e utentes da língua comum galego-portuguesa consideramos de muito mau gosto que persistam nos seus dicionários definições de 150 anos atrás que nada têm a ver com que significa ser Galego ou Galega na actualidade.Agradecia muito que mudassem o conteúdo dessa definição mais ofensivo para os cidadãos galegos.
A função de um dicionário passa por uma descrição dos usos da língua, devendo basear-se essencialmente em factos linguísticos e não estabelecer juízos de valor relativamente a eles, antes apresentá-los o mais objectivamente possível. Em relação às definições da palavra
galego
, o
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
(DPLP) veicula o significado que ela apresenta na língua, mesmo que alguns dos seus significados possam revelar o preconceito ou a discriminação presentes no uso da língua.
As acepções que considera injuriosas têm curso actualmente em Portugal (como se pode verificar através de pesquisa em
corpora
e em motores de busca na internet), sendo usadas em registos informais e com intenções pejorativas, estando registadas, para além do DPLP, nas principais obras lexicográficas de língua portuguesa, como o
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea
(Academia das Ciências de Lisboa/Verbo, 2001) ou o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(edição brasileira da Editora Objetiva, 2001; edição portuguesa do Círculo de Leitores, 2002). O DPLP não pode omitir ou branquear determinados significados, independentemente das convicções de cada lexicógrafo ou utilizador do dicionário.
Como acontece com qualquer palavra, o uso destas acepções de
galego
decorre da selecção feita pelo utilizador da língua, consoante o registo de língua e o conhecimento das situações de comunicação e dos códigos de conduta social. O preconceito não pode ser imputado ao dicionário, que se deve limitar a registar o uso (daí as indicações de registo
informal
[Infrm.] e
depreciativo
[Deprec.]). Este não é, na língua portuguesa ou em qualquer outra língua, um caso único, pois as línguas, enquanto sistemas de comunicação, veiculam também os preconceitos da cultura em que se inserem.
Esta reflexão também se aplica a outros exemplos, como o uso dos chamados palavrões, ou tabuísmos, cuja utilização em determinadas situações é considerada altamente reprovável, ou ainda de palavras que têm acepções depreciativas no que se refere a distinções sexuais, religiosas, étnicas, etc.
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