No vosso dicionário em rede definem o verbo encriptar como um termo
informático que significa "criar código para tornar secreto um documento". Estou
completamente em desacordo com a existência deste verbo e com esta definição. Os
conceitos de cifra e decifra de texto ou de outra informação são tão antigos
como a própria escrita, muito antes de existir informática, e têm os verbos
estabelecidos em português desde há muito: cifrar e decifrar. O
termo encriptar é um anglicismo infelizmente muito usado e que tem como
origem um abastardamento do verbo anglo-saxónico to encrypt. Infelizmente, no
mundo da informática, no qual trabalho e onde essa tradução errada muito surge,
é normal que por preguiça se abuse das traduções erradas por proximidade de
escrita, mas na minha opinião isso deve ser contrariado quando não faz qualquer
sentido. Assim, eu concedo que seja difícil ou impossível traduzir eficazmente
conceitos como firewalls, spam, etc. mas não usar os verbos
cifrar e decifrar para usar encriptar (e decriptar ou
desencriptar) já me parece negativo. Ou concordam com a existência do
verbo printar (em vez de imprimir)? E scanar (em vez de
digitalizar)?
A questão não é pacífica, como acontece sempre que há
interferências linguísticas externas, mas parece um pouco redutor tratar
encriptar da mesma forma que printar, scanar ou até downloadar.
Se analisarmos a palavra encriptar, verificamos que, do ponto de vista
morfológico, ela é bem formada (ao contrário de printar, scanar ou
downloadar, que partem de segmentos inexistentes em português), derivando
de en + cripta + ar.
Do ponto de vista semântico, ela
sofreu um enriquecimento (por influência do inglês to encrypt, é certo) tal como aconteceu,
aliás, com outras palavras portuguesas (ex.: aceder, alocar,
compactar, compilar, configurar, digitalizar, etc.),
que ganharam sentidos novos no domínio informático.
Assim sendo, parece não
haver motivos linguísticos (a não ser a sensibilidade linguística de cada
falante) que impeçam a utilização de encriptar e derivados como sinónimos
de cifrar e derivados:
(1) É preciso encriptar / cifrar o canal.
(2) É preciso desencriptar / decifrar o canal.
(3) Curso de encriptação / cifração.
(4) Curso de desencriptação / decifração.
(5) Ficheiros encriptados / cifrados.
(6) Ficheiros desencriptados / decifrados.
A língua e alguns dicionários que a descrevem já dão conta desses factos
linguísticos. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista efectivamente, na entrada encriptar, o
sentido primeiro de “colocar em cripta ou túmulo”, sentido esse dicionarizado
desde o séc. XIX, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Lisboa, 1899),
de Cândido de Figueiredo, a par do sentido “codificar”, que questiona. Os
gramáticos e os dicionários não parecem ter dúvidas quanto à existência do verbo
encriptar, mas não se entendem quanto à acepção do domínio informático.
Por exemplo, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora,
2004) e o Dicionário Aurélio (Nova Fronteira, 1999) registam apenas essa
acepção de informática, pelo que o assunto promete permanecer polémico.
Com relação à conjugação do verbo adequar e às explicações que vocês forneceram para uma consulta enviada, quero registrar que estranha-me o fato de vocês terminarem a explicação dizendo "..., como afirma Rebelo Gonçalves, que o termo (no caso, uma forma verbal) que hoje não passa de uma hipótese, futuramente poderá ser uma realidade."
Seguramente, se formos considerar tudo o que hoje é uma hipótese, já como realidade ouviremos inúmeros "a nível de Brasil", "houveram muitos problemas", "menas pessoas", "há dez anos atrás", "fazem muitos anos que não a vejo", etc.
Entendo que, a partir daí, as regras gramaticais não farão mais nenhum sentido na nossa língua portuguesa.
Sem contar que na conjugação desse mesmo verbo, no Pretérito Perfeito do Indicativo, vocês acentuaram a primeira pessoa do plural, regra de acentuação que desconheço e que, se vocês observarem, também não consta do Houaiss.
Permita-me uma segunda observação: a resposta para essa pesquisa vocês consultaram Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa, datado de 1966. A última reforma ortográfica data, se não me engano, de 1973, portanto muito tempo depois.
A defectividade de determinados verbos sempre foi objecto de discussão entre
linguistas e gramáticos, uma vez que, apesar de alguns serem considerados
defectivos em determinadas acepções, o uso das restantes formas que não fazem
parte do paradigma defectivo é sempre possível em determinados contextos. Os
outros casos que refere como sendo também possíveis de utilização normativa
futura são consensuais entre os gramáticos quanto à sua incorrecção, não gerando
qualquer discórdia a nível semântico, lexical ou sintáctico. A justificação
apresentada na resposta quer apenas indicar que, enquanto até há pouco tempo os
dicionários de língua e de conjugação registavam alguns verbos como defectivos,
existem obras que actualmente conjugam os mesmos verbos em todas as pessoas,
fazendo a indicação da sua defectividade nas gramáticas tradicionais.
O Vocabulário de Rebelo Gonçalves, apesar de editado em 1966, continua a
ser a referência para a elaboração de obras lexicográficas e para o
esclarecimento de muitas dúvidas. Enquanto não sair do prelo a nova edição
revista do Vocabulário de Rebelo Gonçalves ou um novo elaborado pela
Academia das Ciências de Lisboa que venha a ser reconhecidamente a referência
lexicográfica para o Português europeu, aquele continuará a ser a base por
excelência para a elaboração de dicionários e para a resolução de dúvidas
lexicais (para a norma europeia do Português).
Ao contrário do que refere, a última reforma ortográfica não data de 1973, uma
vez que a lei promulgada nesse ano em Portugal é apenas uma revisão e
simplificação de determinados pontos do acordo ortográfico de 1945, que o Brasil
não ratificou.
Quanto à flexão acentuada graficamente do verbo adequar no pretérito
perfeito do indicativo (adequámos), o paradigma dos verbos regulares da
1.ª conjugação prevê, em Portugal e não no Brasil, que se acentue as formas da
primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo (que em Portugal
se pronunciam com a aberto) para se distinguir das formas do presente do
indicativo (que em Portugal se pronunciam com a fechado): comprámos/compramos,
lavámos/lavamos, registámos/registamos, etc.
Portanto, a conjugação apresentada no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
está de acordo com o estabelecido no acordo ortográfico em vigor em Portugal.