Sou um profissional com formação na área de exatas e, freqüentemente, encontro dificuldades em escolher as preposições certas para determinadas construções. Por exemplo, não sei se em um texto formal diz-se que "o ambiente está a 50oC" ou se "o ambiente está à 50oC". (O uso da crase vem em minha cabeça como se houvesse a palavra feminina temperatura subentendida, como na forma consagrada "sapato à Luís XV", em que a palavra moda fica elíptica). Existem, em nossa língua, dicionários de regência on-line?
A crase é a contracção de duas vogais iguais. Há muitas vezes confusão entre à (contracção da preposição a com o artigo definido a) e a (artigo ou preposição).
Em geral, a preposição contrai-se com artigos definidos femininos (ex.: Ofereceu uma flor à namorada, O carro está em frente à casa) e com a locução relativa a qual (ex.: Esta é a instituição à qual ele está vinculado). Há também locuções fixas que contêm crase, onde se pode subentender moda ou maneira (ex.: Feijoada à [moda/maneira] brasileira).
Em geral, não se usa a crase antes de nome masculino (ex.: Foi andar a cavalo), de forma verbal (ex.: Esteve a dormir), de artigo indefinido (ex.: Chegou a uma brilhante conclusão) ou de topónimos que não precisam de artigo (ex.: Chegou a Brasília). Há ainda locuções fixas que não contêm crase (ex.: Encontraram-se frente a frente).
Por vezes há ainda confusão entre a contracção da preposição a com um pronome demonstrativo começado por a- (aquela, aquele, aquilo) e o uso isolado do pronome demonstrativo.
Ex.: Àquela hora, não havia ninguém na rua.
Nunca viu nada semelhante àquilo.
No caso do exemplo apresentado, numa frase como "o ambiente está a 50oC" não poderá usar a crase, pois não poderia subentender "o ambiente está à (temperatura de) 50oC" como é possível fazer em "sapato à [moda] Luís XV", pois isto acontece apenas em locuções fixas já consagradas pelo uso.
Tanto a crase como as regências (nominais ou verbais) fazem parte de uma área problemática da língua portuguesa, tanto na variedade do Brasil, como na de Portugal. Nestes casos não há soluções mágicas, mas tentativas de auxílio aos utilizadores de uma coisa tão complexa como a sua língua. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa contém informação acerca das regências verbais e exemplos que ilustram o uso de determinados verbos. O FLiP (www.flip.pt) é um programa que inclui um corrector sintáctico que, entre outras funções, corrige alguns destes aspectos.
Gostaria de saber a diferença entre os verbos gostar e querer, se são transitivos e como são empregados.
Não obstante a classificação de verbo intransitivo por alguns autores, classificação que não dá conta
do seu verdadeiro comportamento sintáctico, o verbo
gostar é
essencialmente transitivo indirecto, sendo os seus complementos introduzidos por
intermédio da preposição de ou das suas contracções (ex.: As crianças
gostam de brincar; Eles gostavam muito dos
primos;
Não gostou nada daquela sopa; etc.). Este uso preposicionado
do verbo gostar nem sempre é respeitado, sobretudo com alguns
complementos de natureza oracional, nomeadamente orações relativas, como em O
casaco (de) que tu gostas está em saldo, ou orações completivas finitas,
como em Gostávamos (de) que ficassem para jantar. Nestes casos, a omissão
da preposição de tem vindo a generalizar-se.
O verbo querer
é essencialmente transitivo directo, não sendo habitualmente os seus complementos
preposicionados (ex.: Quero um vinho branco; Ele sempre
quis ser cantor; Estas plantas querem água; Quero
que eles sejam felizes; etc.). Este verbo é ainda usado como transitivo indirecto, no sentido de "estimar, amar" (ex.: Ele quer muito a seus filhos; Ele lhes quer muito), sobretudo no português do Brasil.
Pode consultar a regência destes (e de outros) verbos em dicionários específicos
de verbos como o Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses (Coimbra:
Almedina, 1994), o Dicionário de Verbos e Regimes, (São Paulo: Globo,
2001) ou a obra 12 000 verbes portugais et brésiliens - Formes et emplois,
(“Collection Bescherelle”, Paris: Hatier, 1993). Alguns dicionários de língua
como o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (edição brasileira da
Editora Objetiva, 2001; edição portuguesa do Círculo de Leitores, 2002) também
fornecem informação sobre o uso e a regência verbais. O Dicionário da Língua
Portuguesa Contemporânea (Lisboa: Academia das Ciências/Verbo, 2001), apesar
de não ter classificação explícita sobre as regências verbais, fornece larga
exemplificação sobre o emprego dos verbos e respectivas regências.