Agradeço que esclareçam se as frases que se seguem estão correctas: 1 - Quem vai ao cinema
é a Maria e o João. 2 - Quem vai ao cinema são a Maria e o João.
Sempre pensei que a frase correcta fosse a segunda, tendo em conta que o sujeito
está no plural e que o verbo deve concordar com o sujeito. No entanto, debati a
questão com uma amiga e não conseguimos chegar a um consenso.
Considera-se mais correcta a frase Quem
vai ao cinema são a Maria e o João.
A questão colocada diz respeito a uma frase que contém uma estrutura copulativa de identificação
(equivalente a isto é aquilo [=Quem
vai ao cinema são/é a Maria e o João]). Esta
estrutura constitui uma das construções de clivagem possíveis em português (sobre este assunto, poderá consultar a Gramática da Língua Portuguesa,
de MATEUS et al., 5.ª ed. Editorial Caminho, 2003, pp. 685 e seguintes), designada por construção pseudoclivada.
A frase em apreço (Quem
vai ao cinema são/é a Maria e o João) é equivalente, do ponto de vista
semântico e informativo, à frase A Maria e o João vão ao cinema, havendo
um constituinte que é posto em destaque através de uma oração subordinada
relativa substantiva sem antecedente (Quem vai ao cinema). O pronome
pessoal quem é um pronome de terceira pessoa do singular e obriga o verbo
a concordar com ele dentro da oração subordinada - no caso em análise trata-se
da forma do presente do indicativo (vai) do verbo ir (sobre
quem como sujeito da oração, poderá consultar também as respostas
sou eu quem e fui eu quem).
Toda a oração subordinada constitui por sua vez o predicativo do sujeito da oração
subordinante, com uma inversão da ordem canónica da frase:
[Quem vai ao cinema]Predicativo do sujeito [são/é]Verbo copulativo [a Maria e o João]Sujeito.
A identificação do sujeito e do predicativo do sujeito pode ser feita com a
retoma do sujeito da frase A Maria e o João vão ao cinema e com a
pronominalização do predicativo do sujeito através do pronome demonstrativo
invariável o (ex.: A Maria e o João são-no; *Quem vai ao cinema
é-o). Sobre os testes de identificação do sujeito e do predicativo do
sujeito, poderá ainda consultar a Gramática da Língua Portuguesa, de
MATEUS et al., pp. 281-284 e pp. 290-292.
A ordem canónica da frase será então:
[A Maria e o João]Sujeito
[são/é]Verbo copulativo [quem vai ao cinema]Predicativo do sujeito.
Assim é possível verificar que a
concordância verbal com o sujeito composto (a Maria e o João = eles) está
correcta e é preferencial (Quem vai ao cinema são a Maria e o João), pois
respeita a regra geral de concordância com sujeitos compostos, não havendo
motivo para a concordância com o predicativo do sujeito (*A Maria e o João
é quem vai ao cinema = Quem vai ao cinema é a Maria e o João).
A concordância dos
verbos copulativos é problemática em português, motivo pelo qual a frase Quem
vai ao cinema é a Maria e o João pode ser considerada gramatical, se se
considerar que nesse caso o verbo concorda com o predicativo do sujeito em posição pós-verbal (sobre este assunto, pode consultar também a resposta verbo predicativo ser), mas dificilmente um falante poderá considerar gramatical a substituição do sujeito composto pelo pronome pessoal
correspondente (*Quem vai ao cinema é eles).
A comunicação social (falada e escrita) tem vindo a vulgarizar as palavras negoceio, negoceias, negoceie, etc. Há alguma fonte fidedigna que legitime esta maneira irregular de conjugar o verbo negociar?
Os verbos terminados em -iar conjugam-se na sua grande maioria pelo paradigma mais regular da primeira conjugação, substituindo a terminação -ar pelas desinências verbais regulares (ex.: copiar conjuga-se exactamente com as mesmas terminações de andar: copio, copias; copie, copies). Há um pequeno grupo de verbos (como ansiar, incendiar, mediar, odiar e remediar) que se conjuga pelo padrão dos verbos em -ear (ex.: odiar
conjuga-se com as mesmas terminações de passear nas 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do singular e na 3.ª pessoa do plural presente do indicativo e do conjuntivo e no imperativo, havendo nas restantes formas apenas a substituição do -e- pelo -i-: odeio, odeias,
odeie, odeies, odiava). Um outro grupo relativamente pequeno de verbos
terminados em -iar (é o caso de negociar, mas também, por exemplo,
de comerciar, diligenciar, licenciar, premiar, presenciar ou
sentenciar, entre outros) admite a conjugação por ambos os paradigmas
referidos (ex.: negocio/negoceio, negocias/negoceias;
negocie/negoceie, negocies/negoceies). Esta
particularidade do português europeu (no português do Brasil estes verbos
conjugam-se em geral apenas pelo paradigma mais regular) é registada em alguns
dicionários, gramáticas, prontuários e conjugadores de verbos, bem como em
obras de referência importantes como o Vocabulário da Língua Portuguesa,
de Rebelo Gonçalves (Coimbra Editora, 1966) ou no Grande Vocabulário da
Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (Âncora Editora, 2001).