A minha dúvida é relativa ao novo Acordo Ortográfico: gostava que me esclarecessem porque é que "lusodescendente" escreve-se sem hífen e "luso-brasileiro", "luso-americano" escreve-se com hífen. É que é um pouco difícil de se compreender, e já me informei com algumas pessoas que não me souberam dizer o porquê de ser assim. Espero uma resposta de vossa parte com a maior brevidade possível.
Não há no texto legal do Acordo Ortográfico de 1990 uma diferença clara entre as palavras que devem
seguir o disposto na Base XV e o disposto na
Base XVI. Em casos como
euroafricano/euro-africano, indoeuropeu/indo-europeu ou
lusobrasileiro/luso-brasileiro (e em outros
análogos), poderá argumentar-se que se trata de "palavras compostas por
justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza
nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e
semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento
estar reduzido" (Base XV) para justificar o uso do hífen. Por outro lado, poderá
argumentar-se que não se justifica o uso do hífen uma vez que se trata de
"formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-,
contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-,
super-, supra-, ultra-, etc.) e de formações por recomposição, isto é, com
elementos não autónomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como:
aero-, agro-, arqui-, auto-, bio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-,
maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-,
tele-, etc.)" (Base XVI).
Nestes casos,
e porque afro-asiático, afro-luso-brasileiro e luso-brasileiro
surgem no texto legal como exemplos da Base XV, a Priberam aplicou a Base XV, considerando que "constituem uma unidade sintagmática e
semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento
estar reduzido". Trata-se de uma estrutura morfológica de coordenação, que estabelece
uma relação de equivalência entre dois elementos (ex.: luso-brasileiro = lusitano e brasileiro; sino-japonês = chinês
e japonês).
São, no entanto, excepção os
casos em que o primeiro elemento não é uma unidade sintagmática e semântica e se
liga a outro elemento análogo, não podendo tratar-se de justaposição (ex.:
lusófono), ou quando o primeiro elemento parece modificar o valor semântico
do segundo elemento, numa estrutura morfológica de subordinação ou de
modificação, que equivale a uma hierarquização dos elementos (ex.:
eurodeputado = deputado [que pertence ao parlamento europeu];
lusodescendente = descendente [que provém de
lusitanos]).
É necessário referir ainda que o uso ou não do hífen nestes casos não é uma
questão nova na língua portuguesa e já se colocava antes da aplicação do Acordo
Ortográfico de 1990. Em diversos dicionários e
vocabulários anteriores à aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 já havia
práticas ortográficas que distinguiam, tanto em Portugal como no Brasil, o uso
do hífen entre euro-africano (sistematicamente com hífen) e
eurodeputado (sistematicamente sem hífen).
Das seguintes, que forma está correcta?
a) Noventa por cento dos professores manifestaram-se.
b) Noventa por cento dos professores manifestou-se.
A questão que nos coloca não tem uma resposta peremptória, originando muitas vezes dúvidas quer nos falantes quer nos gramáticos que analisam este tipo de estruturas.
João Andrade Peres e Telmo Móia, na sua obra Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pp. 484-488), dedicam-se, no capítulo que diz respeito aos problemas de concordância com sujeitos de estrutura de quantificação complexa, à análise destes casos com a expressão n por cento seguida de um nome plural. Segundo eles, nestes casos em que se trata de um numeral plural (ex.: noventa) e um nome encaixado também plural (professores), a concordância deverá ser feita no plural (ex.: noventa por cento dos professores manifestaram-se), apesar de referirem que há a tendência de alguns falantes para a concordância no singular (ex.: noventa por cento dos professores manifestou-se). Nos casos em que a expressão numeral se encontra no singular, a concordância poderá ser realizada no singular (ex.: um por cento dos professores manifestou-se) ou no plural, com o núcleo nominal encaixado (ex.: um por cento dos professores manifestaram-se). Há, no entanto, casos, como indicam os mesmos autores, em que a alternância desta concordância não é de todo possível, sendo apenas correcta a concordância com o núcleo nominal que segue a expressão percentual (ex.: dez por cento do parque ardeu, mas não *dez por cento do parque arderam).
Face a esta problemática, o mais aconselhável será talvez realizar a concordância com o nome que se segue à expressão "por cento", visto que deste modo nunca incorrerá em erro (ex.: noventa por cento dos professores manifestaram-se, um por cento dos professores manifestaram-se, dez por cento da turma reprovou no exame, vinte por cento da floresta ardeu). De acordo com Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002, p. 566), esta será também a tendência mais comum dos falantes de língua portuguesa.