Uma professora minha disse que nunca se podia colocar uma vírgula entre o sujeito e o verbo. É verdade?
Sobre o uso da vírgula em geral, por favor consulte a dúvida
vírgula antes da conjunção e. Especificamente sobre a questão colocada,
de facto, a indicação de que não se pode colocar
uma vírgula entre o sujeito e o verbo é verdadeira. O uso da vírgula, como o da
pontuação em geral, é complexo, pois está intimamente ligado à decomposição
sintáctica, lógica e discursiva das frases. Do ponto de vista lógico e
sintáctico, não há qualquer motivo para separar o sujeito do seu predicado (ex.:
*o rapaz [SUJEITO], comeu [PREDICADO]; *as
pessoas que estiveram na exposição [SUJEITO],
gostaram muito [PREDICADO]; o asterisco indica agramaticalidade).
Da mesma forma, o verbo não deverá ser separado dos complementos obrigatórios
que selecciona (ex.: *a casa é [Verbo], bonita [PREDICATIVO
DO SUJEITO]; *o rapaz comeu [Verbo], bolachas
e biscoitos [COMPLEMENTO DIRECTO]; *as pessoas gostaram
[Verbo], da exposição [COMPLEMENTO
INDIRECTO]; *as crianças ficaram [Verbo],
no parque [COMPLEMENTO ADVERBIAL OBRIGATÓRIO]). Pela mesma
lógica, o mesmo se aplica aos complementos seleccionados por substantivos (ex.
* foi a casa, dos avós), por adjectivos (ex.: *estava
impaciente, por sair) ou por advérbios (*lava as mãos antes,
das refeições), que não deverão ser separados por vírgula da palavra que os
selecciona.
Há, no entanto, alguns contextos em que pode haver entre o sujeito e o verbo uma estrutura sintáctica separada por vírgulas, mas apenas no caso de essa estrutura poder ser isolada por uma vírgula no início e no fim. Estes são normalmente os
casos de adjuntos nominais (ex.: o rapaz, menino muito magro, comeu muito),
adjuntos adverbiais (ex.: o rapaz, como habitualmente, comeu muito),
orações subordinadas adverbiais (ex.: as pessoas que estiveram na exposição,
apesar das más condições, gostaram muito), orações subordinadas relativas explicativas (ex.: o rapaz, que até não tinha fome,
comeu muito).
Última crónica de António Lobo Antunes na Visão "Aguentar à bronca", disponível online.
1.º Parágrafo: "Ficaram por ali um bocado no passeio, a conversarem, aborrecidas por os homens repararem menos nelas do que desejavam.";
2.º Parágrafo: "nunca imaginei ser possível existirem cigarros friorentos, nunca os tinha visto, claro, mas aí estão eles, a tremerem. Ou são os dedos que tremem?".
Dúvidas: a conversarem ou a conversar? A tremerem ou a tremer? O uso do infinitivo flexionado (ou pessoal) e do infinitivo não flexionado
(ou impessoal) é uma questão controversa da língua portuguesa, sendo mais
adequado falar de tendências do que de regras, uma vez que estas nem sempre
podem ser aplicadas rigidamente (cf. Celso CUNHA e Lindley CINTRA, Nova
Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições Sá da Costa, 1998, p.
482). É também por essa razão que dúvidas como esta são muito frequentes e as
respostas raramente podem ser peremptórias.
Em ambas as frases que refere as construções com o infinitivo flexionado são
precedidas pela preposição a e estão delimitadas por pontuação. Uma das
interpretações possíveis é que se trata de uma oração reduzida de infinitivo,
com valor adjectivo explicativo, à semelhança de uma oração gerundiva (ex.:
Ficaram por ali um bocado no passeio, a conversarem, aborrecidas
[...] =
Ficaram por ali um bocado no passeio, conversando, aborrecidas [...];
nunca imaginei ser possível existirem cigarros friorentos [...] mas aí
estão eles, a tremerem. = nunca imaginei ser possível existirem
cigarros friorentos [...] mas aí estão eles, tremendo.). Nesse caso,
não há uma regra específica e verifica-se uma oscilação no uso do infinitivo
flexionado ou não flexionado.
No entanto, se estas construções não estivessem separadas por pontuação do resto
da frase, não tivessem valor adjectival e fizessem parte de uma locução verbal,
seria obrigatório o uso da forma não flexionada: Ficaram por ali um bocado no
passeio a conversar, aborrecidas [...] = Ficaram a conversar
por ali um bocado no passeio, aborrecidas [...]; nunca imaginei ser possível
existirem cigarros friorentos [...] nunca os tinha visto, claro, mas aí
estão eles a tremer. = nunca imaginei ser possível existirem
cigarros friorentos [...] nunca os tinha visto, claro, mas eles aí estão a
tremer. Neste caso, a forma flexionada do infinitivo pode ser
classificada como agramatical (ex.: *ficaram a conversarem, *estão a tremerem [o
asterisco indica agramaticalidade]), uma vez que as marcas de flexão em pessoa e
número já estão no verbo auxiliar ou semiauxiliar (no caso, estar e
ficar).