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Dúvidas linguísticas
ter e haver
Gostaria de saber qual é a diferença entre haver e ter, quando estes verbos são utilizados como auxiliares:
eu tinha dito/eu havia dito, ele tinha feito/ele havia feito
. Também gostaria de saber se há diferença entre o português luso do português do Brasil.
Os verbos
ter
e
haver
são sinónimos como auxiliares de tempos compostos e são usados nos mesmos contextos sem qualquer diferença (ex.:
eu tinha dito/eu havia dito
); sendo que a única diferença é a frequência de uso, pois, tanto no português europeu como no português brasileiro, o verbo
ter
é mais usado.
Estes dois verbos têm também uso em locuções verbais que não correspondem a tempos compostos de verbos e aí há diferenças semânticas significativas. O verbo
haver
seguido da preposição
de
e de outro verbo no infinitivo permite formar locuções verbais que indicam valor futuro (ex.:
havemos de ir a Barcelona; os corruptos hão-de ser castigados
), enquanto o verbo
ter
seguido da preposição
de
e de outro verbo no infinitivo forma locuções que indicam uma obrigação (ex.:
temos de ir a Barcelona; os corruptos têm de ser castigados
).
Note-se uma diferença ortográfica entre as normas brasileira e portuguesa relativa ao verbo haver seguido da preposição
de
: no português europeu, as formas monossilábicas do verbo
haver
ligam-se por hífen à preposição
de
(
hei-de, hás-de, há-de, hão-de
) enquanto no português do Brasil tal não acontece (
hei de, hás de, há de, hão de
). Esta diferença é anulada com a aplicação do
Acordo Ortográfico de 1990
, uma vez que deixa de haver hífen neste contexto (isto é, em qualquer das variedades deverão ser usadas apenas as formas
hei de, hás de, há de, hão de
).
Para outras diferenças entre as normas europeia e brasileira, queira, por favor, consultar outra resposta sobre o mesmo assunto em
variedades de português
.
amanhã: ênclise ou próclise?
Tenho uma dúvida: a gramática da língua portuguesa não diz que um advérbio antes do verbo exige próclise? Não teria de ser "Amanhã se celebra"?
Esta questão diz respeito a uma diferença, sobretudo no registo coloquial, entre as variedades europeia e brasileira do português, que, com a natural evolução da língua, se foram distanciando relativamente a este fenómeno linguístico. No que é considerado norma culta (portuguesa e brasileira), porém, sobretudo na escrita, e em registo formal, ainda imperam regras da gramática tradicional ou normativa, fixas e pouco permissivas.
No português de Portugal, se não houver algo que atraia o pronome pessoal átono, ou clítico, para outra posição, a ênclise é a posição padrão, isto é, o pronome surge habitualmente depois do verbo (ex.:
Ele mostrou-
me
o quadro
); os casos de próclise, em que o pronome surge antes do verbo (ex.:
Ele não
me
mostrou o quadro
), resultam de condições particulares, como as que são referidas na resposta à dúvida
posição dos clíticos
. Nessa resposta sistematizam-se os principais contextos em que a próclise ocorre na variante europeia do português, sendo um deles a presença de certos advérbios ou locuções adverbiais, como
ainda
(ex.:
Ainda ontem
as
vi
),
já
(ex.:
Já
o
conheço bem
),
oxalá
(ex.:
Oxalá
se
mantenha assim
),
sempre
(ex.:
Sempre
o
conheci atrevido
),
só
(ex.:
Só
lhes
entreguei o documento hoje
),
talvez
(ex.:
Talvez
te
lembres mais tarde
) ou
também
(ex.:
Se ainda estiverem à venda, também
os
quero comprar
). Note-se que a listagem não é exaustiva nem se aplica a todos os advérbios e locuções adverbiais, pois como se infere a partir de pesquisas em
corpora
com advérbios como
hoje
(ex.:
Hoje decide-se a passagem à final
) ou com locuções adverbiais como
mais tarde
(ex.:
Mais tarde compra-se outra lente
), a tendência na norma europeia é para a colocação do pronome após o verbo. A ideia de que alguns advérbios (e não a sua totalidade) atraem o clítico é aceite até por gramáticos mais tradicionais, como Celso Cunha e Lindley Cintra, que referem, na página 313 da sua
Nova Gramática do Português Contemporâneo
, que a língua portuguesa tende para a próclise «[...] quando o verbo vem antecedido de certos advérbios (
bem, mal, ainda, já, sempre, só, talvez
, etc.) ou expressões adverbiais, e não há pausa que os separe».
No Brasil, a tendência generalizada, sobretudo no registo coloquial de língua, é para a colocação do pronome antes do verbo (ex.:
Ele
me
mostrou o quadro
). Daí a relativa estranheza que uma frase como
Amanhã celebra-se o Dia Mundial do Livro
possa causar a falantes brasileiros que produzirão mais naturalmente um enunciado como
Amanhã se celebra o Dia Mundial do Livro
. O gramático brasileiro Evanildo Bechara afirma, na página 589 da sua
Moderna Gramática Portuguesa
, que «Não se pospõe pronome átono a verbo modificado diretamente por advérbio (isto é, sem pausa entre os dois, indicada ou não por vírgula) ou precedido de palavra de sentido negativo.». Contrariamente a Celso Cunha e Lindley Cintra, Bechara propõe um critério para o uso de próclise que parece englobar a totalidade dos advérbios. Resta saber se se trata de um critério formulado a partir do tendência brasileira para a próclise ou de uma extensão da regra formulada pela gramática tradicional. Estatisticamente, porém, é inequívoca a diferença de uso entre as duas normas do português.
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