Como se escreve? Eu não consigo deitar-me cedo. Eu não consigo me deitar cedo.
Não consigo perceber se o não está associado ao primeiro ou segundo verbo, pois nos verbos reflexos na negativa os pronomes vêm antes do verbo.
O verbo conseguir,
à semelhança de outros verbos como desejar, querer ou tentar,
tem algumas propriedades análogas às de um verbo auxiliar mais típico (como o
verbo ir, por exemplo). Nestes casos, este verbo forma com o verbo
principal uma locução verbal, podendo o clítico estar antes do verbo auxiliar
(ex.: eu não me vou deitar cedo; eu não me consigo
deitar cedo) ou depois do verbo principal (ex.: eu não vou deitar-me
cedo; eu não consigo deitar-me cedo). Isto acontece porque o
verbo considerado auxiliar ou semiauxiliar pode formar com o verbo que o sucede
uma locução verbal coesa, como se fosse um só verbo (e, nesse caso, o clítico é
atraído pela partícula de negação não e desloca-se para antes da locução
verbal) ou, por outro lado, o verbo conseguir pode manter algumas
características de verbo pleno (e, nesse caso, o clítico me pode
manter-se ligado ao verbo principal deitar, de que depende
semanticamente). Nenhuma das duas construções pode ser considerada incorrecta, apesar de a segunda ser frequentemente considerada preferencial.
Nesta frase, o marcador de negação (o advérbio não) está
claramente a negar o verbo conseguir e é semanticamente equivalente a "eu
deito-me tarde, porque não sou capaz de me deitar cedo". Se estivesse a negar o
verbo deitar-se (eu consigo não me deitar cedo), teria um valor
semântico diferente, equivalente a "eu sou capaz de me deitar tarde", devendo
nesse caso o clítico estar colocado antes do verbo deitar.
Tenho duas questões a colocar-vos, ambas directamente relacionadas com um programa televisivo sobre língua portuguesa que me impressionou bastante pela superficialidade e facilidade na análise dos problemas da língua. Gostaria de saber então a vossa avisada opinião sobre os seguintes tópicos:
1) no plural da palavra "líder" tem de haver obrigatoriamente a manutenção da qualidade da vogal E?
2) poderá considerar-se que a expressão "prédio em fase de acabamento" é um brasileirismo?
1) No plural da
palavra líder, a qualidade da vogal postónica (isto é, da vogal que
ocorre depois da sílaba tónica) pode ser algo problemática para alguns falantes.
Isto acontece porque, no português europeu, as vogais a, e e o
geralmente não se reduzem foneticamente quando são vogais átonas seguidas de
-r em final de palavra (ex.: a letra e de líder,
lê-se [ɛ],
como a letra e de pé e não como a de se),
contrariamente aos contextos em que estão em posição final absoluta (ex.: a letra
e de chave, lê-se [i], como a
letra e de se e não como a de pé).
No entanto, quando estas vogais deixam de estar em posição final de palavra (é o
caso do plural líderes, ou de derivados como liderar
ou liderança), já é possível fazer a elevação e
centralização das vogais átonas, uma regularização muito comum no português,
alterando assim a qualidade da vogal átona de
[ɛ] para [i], como na alternância
comédia > comediante ou pedra >
pedrinha. Algumas palavras, porém, mantêm inalterada a
qualidade vocálica mesmo em contexto átono (ex.: mestre > mestrado),
apesar de se tratar de um fenómeno não regular. Por este motivo, as pronúncias
líd[i]res ou líd[ɛ]res
são possíveis e nenhuma delas pode ser considerada incorrecta; esta reflexão
pode aplicar-se à flexão de outras palavras graves terminadas em -er,
como cadáver, esfíncter, hambúrguer, pulôver
ou uréter.
2) Não há qualquer motivo linguístico nem estatístico para considerar brasileirismo a expressão em fase de acabamento. Pesquisas em corpora e em motores de busca demonstram que a expressão em fase de acabamento tem, no português europeu, uma frequência muito semelhante a em fase de acabamentos.