A palavra
fim de semana, aparece em todo o lado escrita com hífen, inclusive no vosso
dicionário. Contudo, quando estudei a língua portuguesa nas cadeiras da
faculdade, foi-nos dado como referência um manual que nos serviu como a Bíblia
da Língua Portuguesa: a Nova Gramática do Português Contemporâneo. Esta
gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra afirma na página 107 que a palavra
fim de semana é um exemplo de quando os elementos justapostos conservam a
sua "autonomia gráfica", tais como Idade Média e pai de família. Assim sendo,
gostaria que me informassem se é correcto a utilização das duas formas, ou se a
Nova Gramática já está desactualizada.
O registo de
fim-de-semana como palavra hifenizada é feito pela esmagadora maioria das
obras de referência do português europeu, nomeadamente o Vocabulário da
Língua Portuguesa, de Rebelo GONÇALVES, o Grande Vocabulário da Língua
Portuguesa, de José Pedro MACHADO, o Dicionário da Língua Portuguesa
On-line, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das
Ciências de Lisboa ou o Grande Dicionário Língua Portuguesa, da Porto
Editora.
Como contraponto, a
palavra hifenizada está praticamente ausente das obras de referência do português
do Brasil, não constando, por exemplo, do
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de
Letras. A locução fim de semana é registada em obras como o Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa, o Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa ou o Aulete Digital - Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
É interessante,
neste aspecto, comparar a edição brasileira (Ed. Objetiva, 2001) e a portuguesa
(Círculo de Leitores, 2002) do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e
verificar que apesar de fim de semana estar registado nas duas edições
como locução e não como palavra hifenizada, na edição portuguesa foi
acrescentada a observação "também se escreve com hífen".
Relativamente ao que
está estipulado nos textos legais que regem a ortografia portuguesa, a
regulamentação sobre o uso do hífen é tão vaga que permitiria justificar que
grande parte das locuções nominais fosse escrita com hífen. Leia-se, por
exemplo, parte do texto da base XXVIII, a respeito de palavras/locuções com a
mesma estrutura de fim-de-semana: "Emprega-se o hífen nos compostos em
que entram [...] dois ou mais substantivos, ligados ou não por preposição ou
outro elemento [...] e em que o conjunto dos elementos, mantida a noção da
composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos. Exemplos:
água-de-colónia, arco-da-velha, bispo-conde, brincos-de-princesa, cor-de-rosa". Se aplicarmos estas indicações a fim-de-semana, podemos concluir que esta locução pode corresponder a um sentido único, pois corresponde a um intervalo temporal específico que não se limita a ser o fim de uma semana de trabalho, uma vez que pode a semana pode começar ao domingo e este está incluído no fim-de-semana.
A Nova
Gramática do Português Contemporâneo de Celso CUNHA e Lindley CINTRA não se
encontra desactualizada, nem está incorrecta. O que acontece é que o ponto de
partida desta gramática de 1985 foi a Gramática da língua portuguesa, de
Celso Cunha (1972). Apesar de a colaboração de Lindley Cintra ter permitido
incluir informação adicional sobre o português de Portugal e um contraste entre
as duas normas, alguma informação veiculada segue a tradição lexicográfica do
português do Brasil, como parece ser o caso com fim de semana. Citando os
autores da referida gramática, "reitere-se que o emprego do hífen é uma
simples convenção ortográfica" (p. 107) e, atendendo à sua parca
regulamentação nos textos legais, baseia-se essencialmente nas tradições
lexicográficas portuguesa e brasileira.
Em conclusão, pode dizer-se que não se trata de uma incorrecção escrever de uma
ou de outra forma, pois não há determinação ortográfica que impeça nenhuma
delas, tratando-se apenas de uma questão de respeito pela tradição lexicográfica
das duas normas. Actualmente, será preferível escrever fim-de-semana no
português de norma europeia, e fim de semana no português de norma
brasileira, mas é de referir ainda que o Acordo Ortográfico assinado em 1990
(que, saliente-se, não está em vigor) preconiza (na alínea a) do art. 6.º
da base XV), a forma fim de semana, ignorando o texto do parágrafo
anterior que defende excepções "já consagradas pelo uso (como é o caso de
água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao
deus-dará, à queima-roupa)". No vosso conversor para a nova ortografia, e em muitas respostas a dúvidas, utilizam a expressão "português europeu", por oposição a português do Brasil ou português brasileiro. Tenho visto noutros sítios a expressão português luso-africano. Não será mais correcta? Como qualquer língua viva, o português não é alheio à variação linguística e
contém diferentes variantes e variedades, nomeadamente a nível geográfico,
social e temporal. O português falado em Portugal continental e nos arquipélagos
da Madeira e dos Açores é designado por variedade europeia ou
português europeu (ou ainda português de Portugal) e abrange
inúmeros dialectos (divididos ou agrupados segundo características comuns). Esta
designação de português europeu é frequentemente contraposta à de português
do Brasil (ou português brasileiro ou americano), por serem as
variedades do português mais estudadas e alvo de descrição linguística. Alguns
dialectos do português de Angola e do português de Moçambique
dispõem já de descrições e estudos, mas ainda sem muita divulgação fora do
âmbito académico.
A designação de português luso-africano é, do ponto de vista linguístico,
incorrecta, uma vez que as características do português de Portugal, como
sistema linguístico, são diferentes das características do português falado em
cada um dos países africanos de língua oficial portuguesa (nomeadamente do
português de Angola, do português de Cabo Verde, do português da Guiné-Bissau, do
português de Moçambique ou do português de São Tomé e Príncipe) ou de outros
países (como Timor-Leste) ou territórios onde se fale o português. O único ponto
em que poderá haver uma designação que indique uma aproximação luso-africana é
exclusivamente em termos de norma ortográfica. Ainda assim, as práticas
ortográficas divergem amiúde, principalmente no uso do apóstrofo em contextos
não previstos no texto do Acordo Ortográfico de 1990 e das letras k, w
e y em nomes comuns e não exclusivamente em nomes próprios ou derivados
de nomes próprios estrangeiros. No que diz respeito ao léxico, à fonética ou à
sintaxe, trata-se de variedades e normas com traços característicos que as
distinguem.
Como as ferramentas linguísticas da gama FLiP não se limitam ao campo estrito da
ortografia, mas ao processamento do
português como língua natural, a Priberam não adopta o adjectivo
luso-africano para qualificar português, variedade, norma ou palavra
afim. Esta foi também, aparentemente, a opção da redacção do Acordo Ortográfico
de 1990, onde é usada, na "Nota Explicativa", ponto 5.1, a expressão "português
europeu" ("Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português
europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação
gráfica entre as duas realizações da língua.").