Gostaria de saber se em palavras nas quais o prefixo termina com a mesma vogal que inicia a outra palavra (como anti+inflamatório; poli+insaturado, etc...) há necessidade de se usar hífen ou se é possível fusionar as duas vogais (e.g., antiinflamatório; poliinsaturado).
Esta questão tem uma resposta diferente se pretender a ortografia antes ou depois do Acordo Ortográfico de 1990 (AO de 1990).
Segundo o
Acordo Ortográfico de 1945 (válido para a norma portuguesa antes do AO de 1990) e também segundo o
Formulário Ortográfico de 1943 (válido para a norma brasileira antes do AO de 1990), o elemento de formação anti- apenas deve ser ligado por hífen a palavras que comecem por h (ex.:
anti-higiénico), i (ex.:
anti-ibérico), r (ex.:
anti-rugas) ou s (ex.:
anti-semita).
Relativamente ao emprego do prefixo poli-,
não é tão fácil chegar a uma resposta conclusiva e peremptória para a ortografia antes da aplicação do AO de 1990. Este prefixo não
é expressamente referido no Acordo Ortográfico de 1945 (vd. bases
XXVIII a XXXII, sobre o uso do hífen), nem no Formulário Ortográfico de 1943, pelo que só se pode inferir o comportamento de
poli- a partir do registo lexicográfico de outras palavras com o mesmo
prefixo. Assim sendo, a consulta de obras de referência revela um comportamento
análogo ao de outros prefixos que nunca são seguidos de hífen, como
mono-
ou
bi- (ex: monoinsaturado, biebdomadário,
poliarticular,
polirrítmico,
polissacarídeo,
poliúria),
o que valida a forma poliinsaturado, que é, aliás, a forma
registada pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Outra opção tomam o Grande Dicionário Língua
Portuguesa, da Porto Editora, e o Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências, que registam a forma polinsaturado,
com a elisão da vogal (i oral) em que termina o prefixo. A este respeito,
Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa
(Coimbra: Atlântida, 1947, pp. 252-253), refere que se deve prever também esta
opção com estes prefixos que nunca são seguidos de hífen, isto é, "o caso de um
prefixo não aparecer em forma plena, por terminar em vogal e esta se elidir ante
uma vogal do elemento imediato: endartrite, etc".
Nas obras consultadas, é de referir que não há registo de nenhuma outra forma
com o mesmo contexto de poli-+insaturado (poli- seguido de i
nasal), mas apenas com um contexto de poli- seguido de i oral:
formas como poliide (género de algas) ou poliidrite (mineral)
surgem averbadas no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (12
vol., Porto, Amigos do Livro Editores, 1981), de José Pedro Machado.
Pesquisas em corpora e em motores de busca da Internet revelam uma maior
ocorrência de poliinsaturado (e suas flexões) no português do Brasil e de
polinsaturado (e suas flexões) no português europeu, provável reflexo do
diferente registo lexicográfico nas duas normas do português, não podendo, no
entanto, nenhuma destas duas formas ser considerada incorrecta.
Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, estes dois prefixos terão tratamento idêntico, uma vez que passa a haver regras mais gerais e contextuais do que nos textos legais anteriores. Assim, segundo a Base XVI, 1º, alínea b), quando um prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal com que se inicia o segundo elemento deverá usar-se hífen, pelo que deverá escrever-se anti-inflamatório e poli-insaturado (a par de polinsaturado).
No vosso conversor para a nova ortografia, e em muitas respostas a dúvidas, utilizam a expressão "português europeu", por oposição a português do Brasil ou português brasileiro. Tenho visto noutros sítios a expressão português luso-africano. Não será mais correcta? Como qualquer língua viva, o português não é alheio à variação linguística e
contém diferentes variantes e variedades, nomeadamente a nível geográfico,
social e temporal. O português falado em Portugal continental e nos arquipélagos
da Madeira e dos Açores é designado por variedade europeia ou
português europeu (ou ainda português de Portugal) e abrange
inúmeros dialectos (divididos ou agrupados segundo características comuns). Esta
designação de português europeu é frequentemente contraposta à de português
do Brasil (ou português brasileiro ou americano), por serem as
variedades do português mais estudadas e alvo de descrição linguística. Alguns
dialectos do português de Angola e do português de Moçambique
dispõem já de descrições e estudos, mas ainda sem muita divulgação fora do
âmbito académico.
A designação de português luso-africano é, do ponto de vista linguístico,
incorrecta, uma vez que as características do português de Portugal, como
sistema linguístico, são diferentes das características do português falado em
cada um dos países africanos de língua oficial portuguesa (nomeadamente do
português de Angola, do português de Cabo Verde, do português da Guiné-Bissau, do
português de Moçambique ou do português de São Tomé e Príncipe) ou de outros
países (como Timor-Leste) ou territórios onde se fale o português. O único ponto
em que poderá haver uma designação que indique uma aproximação luso-africana é
exclusivamente em termos de norma ortográfica. Ainda assim, as práticas
ortográficas divergem amiúde, principalmente no uso do apóstrofo em contextos
não previstos no texto do Acordo Ortográfico de 1990 e das letras k, w
e y em nomes comuns e não exclusivamente em nomes próprios ou derivados
de nomes próprios estrangeiros. No que diz respeito ao léxico, à fonética ou à
sintaxe, trata-se de variedades e normas com traços característicos que as
distinguem.
Como as ferramentas linguísticas da gama FLiP não se limitam ao campo estrito da
ortografia, mas ao processamento do
português como língua natural, a Priberam não adopta o adjectivo
luso-africano para qualificar português, variedade, norma ou palavra
afim. Esta foi também, aparentemente, a opção da redacção do Acordo Ortográfico
de 1990, onde é usada, na "Nota Explicativa", ponto 5.1, a expressão "português
europeu" ("Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português
europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação
gráfica entre as duas realizações da língua.").